tanto que pode chegar lá, que acaba mesmo chegando. Sorte,
técnica e persistência: nas páginas seguintes, PODER
revela a história de três empreendedores que driblaram todas as dificuldades
e, como Nilmar, fizeram também o seu golaço
Algumas pessoas enxergam oportunidades que mesmo quem já atua no mercado não vê. Elas conseguem interpretar a realidade de uma maneira peculiar e única e antecipam uma tendência ou movimento muito antes dela ocorrer. E quando essa demanda se torna real, voilá, lá estão elas, sinônimos do nicho, quase com status de marca.
Não que elas necessariamente criem coisas novas, mas, ao perceber novos usos para coisas que já existem, dando uma outra roupagem e todo um conjunto de significações e possibilidades, respondem a um desejo adormecido. E é justamente nesse pulo de gato que pessoas aplicam o conceito mais palpável da inovação. Como a Apple com o iPod. Steve Jobs não inventou os tocadores de MP3. A tecnologia para isso já existia. Mas ao facilitar o uso desses aparelhinhos, tornando-os mais intuitivos a ponto de qualquer mortal conseguir usar, a empresa lançou um produto que se tornou objeto de desejo.
PODER ouviu três histórias inspiradoras de pessoas que, por meio da inovação, conseguiram conquistar seu espaço e desbravaram um mercado que hoje, depois delas, parece muito óbvio.
ANTENA PARABÓLICA
Foi graças a um olhar mais apurado que os dois irmãos Coser, Arri e Jair, da pequena Encantado, na Serra Gaúcha, perceberam uma oportunidade no mercado de alimentação fora de casa: grandes churrascarias em centros urbanos, em locais de intenso fluxo de passagem, com serviços e qualidade diferenciados por um preço fixo. Pode parecer meio banal hoje em dia, mas, até o começo da década de 80, churrascaria era coisa de beira de estrada, de caminhoneiro. E eram raros os restaurantes desse tipo que ofereciam o sistema “espeto corrido”, uma contribuição da comunidade italiana ao jeito gaúcho de fazer e, principalmente, de servir churrasco – mais conhecido como rodízio, popularizado pela dupla.
Aos 14 anos, Arri colocou a mochila nas costas e foi atrás de seu irmão mais velho, o ex-seminarista Jair, que trabalhava em uma churrascaria em Aparecida, a 170 quilômetros da capital paulista. Um dos cinco filhos de um pequeno agricultor, Arri já tinha trabalhado como mascate, trocando sacos de soja por carne e farinha por verdura no mercado de sua cidade natal. Trabalhara também no roçado de propriedade da família, mas queria ir além das fronteiras do Rio Grande do Sul. No interior de São Paulo, onde morou por um ano, lavava pratos e servia mesas.
Observando erros e acertos, os irmãos foram alinhavando o que queriam fazer da vida: ter seu próprio negócio, no ramo de alimentação. Era só uma questão de oportunidade. E não demoraria muito para ela aparecer. Os dois, então, decidiram tentar a vida no Rio de Janeiro, onde moraram por três anos e pensaram em abrir o negócio, que não foi para a frente por causa dos altos custos da capital fluminense.
De férias no Sul, em 1979, Jair foi visitar uma irmã que morava em Porto Alegre. Andando pelo bairro Cavalhada, num eixo de ligação entre as zonas norte e sul da cidade, ele reparou que uma churrascaria recém-inaugurada, a Fogo de Chão, estava à venda. Eles não tinham dinheiro para tanto, mas arrendaram o local com a ajuda do pai – que emprestou metade de suas economias – e de outros dois sócios. Detalhe: Jair tinha 22 anos e Arri, 17. “Éramos quatro sócios e fazíamos rodízio nas funções. Eu preparava o churrasco numa semana, as compras na seguinte, cuidava dos serviços administrativos na terceira, e era maître na quarta. A gente trabalhava muito. Passamos três anos assim e essa foi a melhor faculdade que tivemos, pois pagávamos por nossos erros”, conta Arri, que não cursou mais do que a sexta série do ensino fundamental.
O sucesso entre os gaúchos, público exigente ainda mais tratando de churrasco, veio a galope. E era comum que visitantes de São Paulo pedissem a abertura de um restaurante na capital. Depois de alguns anos, resolveram seguir o conselho da clientela, de olho no potencial de mercado. “Em 1986 íamos abrir a primeira Fogo de Chão em Moema, localizada numa avenida com grande fluxo de pessoas, em São Paulo. Estávamos muito endividados com a obra, mas demos sorte”, lembra Arri. O que ele chama de sorte é conhecido como Plano Cruzado – aquele do ministro da Fazenda Dilson Funaro, que durante o governo Sarney congelou preços, aumentou o poder de compra dos trabalhadores com os gatilhos salariais e terminou provocando desabastecimento geral. Com a falta de carne, os irmãos Coser não sofreram. Graças a conhecidos na fronteira com a Argentina, a Fogo de Chão não só conseguiu atender ao boom do consumo como pôde até vender o próprio excedente. “Não deixamos faltar produto e, mesmo com uma grande demanda, conseguimos manter o serviço e a qualidade.”
“Nosso maior talento sempre foi observar o que havia e antecipar o que aconteceria no mercado”, afirma Arri. “E muitas horas de trabalho”, complementa. Foi assim também que introduziram novidades como o salão com ar-condicionado, a carta de vinhos, o bufê de saladas. E viraram referência da categoria no Brasil e nos Estados Unidos, onde Jair toca 16 restaurantes, mais que o dobro das seis lojas daqui. “Eu não inventei a roda, mas faço ela girar.”
O DONO DA HISTÓRIA
Nada como um desafio para dar o start. No caso do carioca radicado em São Paulo Rodrigo Teixeira foi um ultimato da mãe, que voltou a morar no Rio de Janeiro e deu prazo de um ano para que os dois filhos arrumassem a vida na capital paulista ou voltassem para o Rio. Ele tinha 21 anos e foi trabalhar em um banco de investimentos. Aguentou por oito meses. “Eu era um bom vendedor”, conta, “mas queria trabalhar com cinema.”
Apaixonado por futebol, um dia ele leu na coluna de Juca Kfouri que faltavam boas histórias sobre o esporte. Resolveu que este seria seu primeiro projeto, o Camisa 13, uma coletânea de livros (e, futuramente, documentários) relacionados aos principais times brasileiros. Foi consultar o jornalista, que lhe disse que o projeto era um sonho – mas seria muito difícil concretizá-lo.
Quase dois anos depois, a irmã de Rodrigo, que trabalhava no restaurante Ritz, lhe deu o cartão de Paulo Machline, herdeiro do (extinto) grupo Sharp, que havia rodado o curta- metragem de ficção Uma História de Futebol, sobre Pelé, indicado depois ao Oscar.
Teixeira marcou uma reunião com ele no dia seguinte e não só conseguiu o patrocínio, como também um escritório para trabalhar e um laptop da Apple como prêmio pela ideia. Aos 23 anos, ele havia acabado de ler Estrela Solitária, biografia de Garrincha feita por Ruy Castro e decidiu convidá- lo a escrever a primeira história. Ligou para o escritor e lhe falou sobre o projeto, convocando-o a assumir o livro do Flamengo, seu time de coração. Castro o chamou para ir ao Rio e se espantou com a pouca idade de Teixeira. Ainda assim, o escritor, empolgado com a proposta, aceitou fazer o livro. “Daí perdi o medo de falar com os autores e adquiri mais confiança”, recorda.
No dia seguinte ao lançamento do Camisa 13, a Editora Abril colocou no mercado um projeto semelhante de revistas, que não teve o mesmo sucesso. “Aprendi que o direito autoral, quando endossado por uma grande assinatura, é reconhecido pelo público e vale tanto quanto uma grande marca, como Coca-Cola.” Patrocinado pela Brasil Telecom, o projeto se desenvolveu. Um dos filhotes, a ficção escrita por Mário Prata sobre o Palmeiras, foi vendido para o cineasta Luiz Carlos Barreto e baseou o filme O Casamento de Romeu e Julieta, um sucesso de bilheteria com quase um milhão de espectadores.
A partir da aquisição de direitos autorais, Teixeira criou seu modelo de negócio, o de explorar as histórias em diferentes mídias. Também desenvolvido dentro desse conceito, o filme sobre o jogador de futebol Heleno de Freitas deve começar a ser rodado em 2010, em parceria com o diretor José Henrique Fonseca e Rodrigo Santoro, que será codiretor. “O direito autoral sobrevive à tecnologia, que muda a forma de distribuição, mas não o conteúdo.”
O sucesso, no entanto, não veio sem alguns percalços. Como o sequestro de um dos autores do Camisa 13, o publicitário Washington Olivetto, autor da história sobre o Corinthians ( junto com o jornalista Nirlando Beirão), que vendeu mais de 70 mil exemplares; e a morte de Roberto Drummond, que estava escrevendo a história do Atlético Mineiro. Mais tarde, Teixeira aprendeu que partilhar os riscos com os colaboradores nem sempre é uma boa ideia. “Chamei um time de pessoas e rodei uma série de documentários. A coisa não foi pra frente porque na época isso era inviável. Perdi dinheiro, mas lidar com a frustração de quem acreditou nesse projeto foi pior.” Hoje, ele prefere remunerar os escritores, que, cientes do risco do projeto não vingar, não compartilham o risco, só o sucesso. Pode-se dizer que Teixeira também derrapou por excesso de confiança. Numa ocasião, comprou os direitos do Noites Tropicais, de Nelson Motta, por dois anos. A ideia era organizar um festival de jazz. “Eu tive oportunidade de vender o evento, mas resolvi fazer por conta própria e não consegui.” Pra fazer um golaço, às vezes você chuta pra fora – é assim mesmo.
Teixeira foi coprodutor de O Cheiro do Ralo, uma adaptação da história de Lourenço Mutarelli. “Tentamos captar recursos por um ano, em vão, então eu e um pool de pessoas o financiamos. Tivemos a colaboração de todos os profissionais que trabalharam no filme e muitos atores o fizeram até de graça”, conta. “Aprendi que se desenvolvesse os melhores conteúdos, eu teria os melhores profissionais atrelados ao projeto.”
Na seara literária, Rodrigo Teixeira está colocando de pé uma nova coleção – “Amores Expressos”, em que cada um dos 17 autores passou um mês em uma metrópole do mundo com a incumbência de escrever uma história de amor ambientada no local. Teixeira acompanha agora o lançamento dos dois primeiros livros da série: O Filho da Mãe, de Bernardo Carvalho, e Cordilheira, de Daniel Galera. Todos os livros serão lançados pela Companhia das Letras. “Esse projeto me credenciou internacionalmente”, diz, “e penso que essa é uma boa hora para desembarcar nos EUA”.
Durante um show de Mônica Salmaso, em que ela interpretava músicas de Chico Buarque, Teixeira teve outro de seus insights: contos baseados nas letras do compositor, que renderam um longa-metragem, baseado na música “Olhos nos Olhos”; uma proposta de série de TV e dois shows. Difícil mesmo foi o encontro com o compositor, em que o produtor cultural suava de tão nervoso. “O Chico te olha e te derruba. Ele te fita dentro do olho. Comecei a gaguejar. Num determinado momento eu disse que tive a ideia durante um show da cantora. Ele abriu um sorriso porque o link foi imediato. E contou que estava fazendo um livro [O Leite Derramado], baseado numa música, que é “O Velho Francisco”. Fechamos o negócio.”
A santa Nossa Senhora de Fátima que do criado-mudo olha para Teixeira todos os dias é a única superstição desse católico não praticante. “Sorte existe, mas acredito em obstinação. Teve milhões de momentos em que eu poderia ter desistido, mas não desisti.”
A MODA COMO ELA É
Scott Schuman já trabalhava com moda há 15 anos – na área de marketing, vendas, publicidade e representação comercial de novos estilistas como James Coviello e Peter Som. Schuman teve de fechar seu showroom em 2005 e passou a se dedicar a um projeto que há tempo vinha matutando: fotografar a moda usada nas ruas, quase sempre adicionando comentários positivos ou pequenas entrevistas. “Eu sentia que havia muito distanciamento entre as criações dos estilistas e o que eu via as pessoas usando, e achei que esse era um ponto de vista interessante”, conta. “Meu desafio era conseguir capturar com a lente a forma romântica com que enxergava essas pessoas. Superado esse desafio técnico, eu sabia que tinha chance de me sair bem.”
O blog The Sartorialist começou como um hobby em setembro de 2005. E não demorou muito para lhe render frutos. Schuman se tornou referência de fotografia de moda, em especial a de rua, e foi convidado a comentar os desfiles masculinos da semana de moda de Nova York na Style.com, site da Condé Nast, além de colaborar com a famosa revista GQ.
Publicação da Revista: O Poder, por Flavia Galembeck.
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